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( Lua cheia elevando-se, vista "junto" do Templo de Poseidon, Grécia_18/06/08)
JUNHO _ O Mês Do Solstício
De Verão...
Será difícil encontrar um tema relacionado com este mês que não tenha a ver com natureza, ar livre, enfim, ambiente em qualquer sentido, do mais ao menos lato...mas até faremos esse esforço. Daí não considerar importante, dentro deste "limite" temporal, tratar qualquer assunto em obediência e sujeição a qualquer calendário mais restrito. E até chegar ao fim...
Junho é ainda chamado o mês dos Santos Populares. Não será difícil compreender os fundamentos da escolha desta época para tais celebrações, se pensarmos que é a época do bom tempo para a recreação ao ar livre; a boa disposição que o clima aporta predispõe à extroversão e daí a pensar em festas ou festejos não custa nada. Sobretudo se nos recordarmos que o calendário cristão não é tão inocente como os santos que celebra em determinadas ocasiões. Neste caso referimo-nos à "coincidência " de datas de celebrações de divindades ou entidades de povos de culturas e/ou civilizações recuadas no tempo, com alguns resíduos após a cristianização, sobretudo em tempos mais modernos, devido a uma maior liberalidade ou liberdade face à anterior posição dominante do Cristianismo, conforme se pode ler num trabalho sobre o tema das festas populares em geral. E passo a citar:
Fortuna; esta deusa , que protegia o destino individual e a boa sorte vivia uma história de amor com Servio Tullio na qual se debatia entre a profunda paixão que sentia pelo mortal e a sua condição de deusa. Além disso, era ele mesmo objecto de adoração, pois recebia emanações de Vulcano, seu pai, além de haver nascido do fogo. Por outro lado, segundo as fontes clássicas, nem mesmo o incêndio que em 539 a.C. devastou a região romana onde estava o templo da deusa Fortuna afectou uma estátua de Servio, embora esta fosse de madeira. Assim, a prática antiga estabelecia uma profunda relação entre o rei Servio, a deusa Fortuna, o Sol e o fogo, o suficiente para que fossem realizados rituais sagrados em sua honra. Para estes rituais existiam dois templos e duas datas na Roma antiga. A primeira data era 11 de Junho, celebrado no templo do Foro Boario (até hoje existente); era uma manifestação ritualística sagrada, reservada aos sacerdotes e iniciados. A outra festa realizava-se em 21 de Junho em outro templo que se situava do outro lado do Tevere, onde a plebe participava, invocando o nome da deusa Fors Fortuna, em grandes manifestações de alegria e embriaguez. Os jovens passavam o dia no templo, dançando enfeitados de flores, em jogos de água e de fogo. Segundo Varrão, esta festa foi estabelecida por Servio Tullio, o qual teria também erigido estes templos à deusa Fortuna. O certo é que esta festa era dedicada ao solstício de Verão, ao calor solar e às suas qualidades de maturar os frutos da terra. Daí o costume de enfeitar casas, templos, pontes e até mesmo as pessoas com belas guirlandas de flores. A festa de Fors Fortuna continuou a figurar no calendário apenas no dia 24 de Junho. Na época contemporânea pode-se assistir na Piazza San Giovanniin Laterano, no centro de Roma, durante a noite de 23 para 24 de junho, a uma festa derivada do antigo ritual da Fors Fortuna. Os rituais de San Giovanni, ainda hoje muito festejados na Itália e outras partes do mundo(!), fazem parte desta antiga festa .pagã. do solstício de Verão, onde, como em qualquer festa cíclica, se representavam e celebravam a morte e o renascimento da vegetação, a fecundidade e a fertilidade da natureza e dos homens. A noite de San Giovanni é especial, carregada de magia e de bons presságios; prenhe das forças sagradas que estão difusas na natureza, é a noite que decide os destinos de todo o ano solar. É a noite das práticas adivinhatórias, da purificação pela água e pelo fogo, a noite das fogueiras ritualísticas, da colheita nocturna das ervas benéficas, a noite das uniões sagradas.
Como é possível um ritual nocturno, alusivo a um remoto culto agrário e solar, ter sido identificado com o culto a San Giovanni? A hipótese mais provável, segundo uma autora que cita vários outros pesquisadores, é que o cristianismo integrou no interior da própria liturgia as duas grandes festas .pagãs.: o 21 de Junho (.exportado. para 24 de Junho para coincidir com o dia de San Giovanni), como solstício de Verão, e o 25 de Dezembro, como solstício de Inverno, celebrado através das Saturnalia. Uma vez que aquelas festas eram dois momentos muito especiais das antigas práticas culturais populares, a Igreja, provavelmente, tratou de fortalecer ainda mais a ligação já existente entre São João Baptista e a figura de Cristo, transformando, através de uma elaboração teológica, as duas festas .pagãs. e populares em festas religiosas. O mito dos dois sacros nascimentos como metáfora do ciclo agrário solar foi fundado pelo próprio Evangelho, o que tornou fácil sua manipulação pela Igreja.(...). Como na celebração do ritual antigo, as festas do solstício de Verão e de Inverno identificavam-se com uma religião agrária e solar, na elaboração cristã o complexo mítico-ritualístico de Cristo e de João Baptista foi integrado num único ciclo; não é por acaso que ambas as festas se realizam, primordialmente, à noite: a Noite de São João e a Noite de Natal. Esta operação de absorção, condicionamento e adaptação do culto cristão ao antigo substrato .pagão., entretanto, não foi linear e indolor; durante séculos, periodicamente, levantaram-se vozes condenando os resíduos .pagãos. que jamais puderam ser excluídos da festa cristã.(...) Terminada a cerimónia religiosa, a multidão corria pelos prados da piazza, dando início à festa profana. Nesta noite, abriam-se os banhos públicos no Tevere, onde a população se banhava pois, nesta noite, a água seria portadora de misteriosas virtudes. (...) Na festa de San Giovanni, a presença constante do fogo, da água, do culto às ervas sagradas também pode indicar esta relação atávica entre homem e natureza; por outro lado, a insistência em representar, num desfile histórico,os personagens significativos do passado, pode estar relacionada com a necessidade de vincular a este passado histórico concreto as experiênciasremotas, como reafirmadoras da identidade colectiva(...)"(em:Comunicação&política, n.s., v.VII, n.1p.121-127-Maria Nazareth Ferreira-"Os antigos rituais agrários itálicos e suas manifestações na actualidade"* Historiadora, Doutorada em Comunicação, Professora Titular da Escola de Comunicação e Artes daUniversidade de São Paulo; desenvolve pesquisas sobre Cultura e Comunicação há mais de 20 anos.Actualmente, coordena o Centro de Estudos Sobre Cultura e Comunicação - CELACC - ECA - USP)
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